De onde surgiram os Contos de Fadas?


Contos de fadas

 


Os contos de fadas são uma variação do conto popular ou fábula. Partilham com estes o fato de serem uma narrativa curta, transmitida oralmente, e onde o herói ou heroína tem de enfrentar grandes obstáculos antes de triunfar contra o mal. Caracteristicamente envolvem algum tipo de magia, metamorfose ou encantamento, e apesar do nome, animais falantes são muito mais comuns neles do que as fadas propriamente ditas. Alguns exemplos: "Rapunzel", "Branca de Neve e os Sete Anões" e "A Bela e a Fera".


·         Etimologia

A palavra portuguesa "fada" vem do latim fatum (destino, fatalidade, fado etc). O termo se reflete nos idiomas das principais nações européias: fée em francês, fairy em inglês, fata em italiano, Fee em alemão e hada em espanhol. Por analogia, os "contos de fadas" são denominados conte de fées na França, fairy tale na Inglaterra, cuento de hadas na Espanha e racconto di fata na Itália. Na Alemanha, até o século XVIII era utilizada a expressão Feenmärchen, sendo substituída por Märchen ("narrativa popular", "história fantasiosa") depois do trabalho dos Irmãos Grimm. No Brasil e em Portugal, os contos de fadas, na forma como são hoje conhecidos, surgiram em fins do século XIX sob o nome de contos da carochinha. Esta denominação foi substituída por "contos de fadas" no século XX.

·         Origens

 

Fadas são entidades fantásticas, características do folclore europeu ocidental. Apresentam-se como mulheres de grande beleza, imortais e dotadas de poderes sobrenaturais, capazes de interferir na vida dos mortais em situações-limite. As fadas também podem ser diabólicas, sendo corriqueiramente denominadas "bruxas" em tal condição; embora as bruxas "reais" sejam usualmente retratadas como megeras, nem sempre os contos descrevem fadas "do mal" como desprovidas de sua estonteante beleza.
As primeiras referências às fadas surgem na literatura cortesã da Idade Média e nas novelas de cavalaria do Ciclo Arturiano, tomando por base textos-fontes de origem reconhecidamente céltico-bretã. Tal literatura destaca o amor mágico e imortal vinculado às figuras de fadas como Morgana e Viviana, o que evidencia o status social elevado das mulheres na cultura celta, na qual possuíam uma ascendência e um poder muito maiores do que entre outros povos contemporâneos (ou posteriores). Conforme destaca Coelho:

“Na maioria das tradições, as fadas aparecem ligadas ao amor, ou sendo elas próprias às amadas, ou sendo mediadoras entre os amantes. A partir da cristianização do mundo, foi esse último sentido que predominou, perdendo-se completamente aquela outra dimensão "mágica", sobrenatural.”

·         Características dos contos de fadas

  • Podem contar ou não com a presença de fadas, mas fazem uso de magia e encantamentos;
  • Seu núcleo problemático é existencial (o herói ou a heroína busca a realização pessoal);
  • Os obstáculos ou provas constituem-se num verdadeiro ritual de iniciação para o herói ou heroína;

·         Morfologia dos contos de fadas

Em seu famoso estudo sobre o conto maravilhoso (no qual inclui os contos de fadas), V.I. Propp afirma que ele "atribui freqüentemente ações iguais a personagens diferentes". Estas ações (mais adiante denominadas "funções") nos permitiriam estudar os personagens dos contos a partir das mesmas. Tendo isto em vista, Propp elabora quatro teses principais:
1.       "Os elementos constantes, permanentes, do conto maravilhoso são as funções dos personagens, independentemente da maneira pela qual eles as executam. Essas funções formam as partes constituintes básicas do conto”.
2.     "O número de funções dos contos de magia conhecidos é limitado”.
3.     "A seqüência das funções é sempre idêntica”.
4.     "Todos os contos de magia são monotípicos quanto à construção”.
Contudo, as teses de Propp foram objeto de críticas, particularmente por parte do antropólogo Claude Lévi-Strauss. No ensaio "A estrutura e a forma" (publicado nesta mesma edição da obra de Propp), ele observa:

“Vimos que o conto de fadas é uma narrativa explicitando funções, cujo número é limitado e cuja ordem de sucessão é constante. A diferença formal entre vários contos resulta da escolha, operada individualmente, entre as trinta e uma funções disponíveis e da eventual repetição de certas funções. Mas nada impede a realização de contos com a presença de fadas, sem que a narrativa obedeça à norma precedente; é o caso dos contos fabricados, dos quais podemos encontrar exemplos em Andersen, Brentano e Goethe. Inversamente, a norma pode ser respeitada apesar da ausência de fadas. O termo 'conto de fadas' é, pois, duplamente impróprio”.

·         O significado oculto dos contos de fadas

Ao longo dos últimos 100 anos, os contos de fadas e seu significado oculto têm sido objeto da análise dos seguidores de diversas correntes da psicologia. Sheldon Cashdan, por exemplo, sugere que os contos seriam "psicodramas da infância" espelhando "lutas reais". Na visão de Cashdan, "embora o atrativo inicial de um conto de fada possa estar em sua capacidade de encantar e entreter, seu valor duradouro reside no poder de ajudar as crianças a lidar com os conflitos internos que elas enfrentam no processo de crescimento".
Cashdan prossegue em sua análise sobre a vinculação entre os contos de fadas e os conflitos internos infantis:

“Cada um dos principais contos de fadas é único, no sentido em que trata de uma predisposição falha ou doentia do eu. Logo que passamos do "era uma vez", descobrimos que os contos de fada falam de vaidade, gula, inveja, luxúria, hipocrisia, avareza ou preguiça - os "sete pecados capitais da infância". Embora um determinado conto de fada possa tratar de mais de um "pecado", em geral um deles ocupa o centro da trama.”

O processo pelo qual as crianças podem utilizar os contos de fadas na resolução de seus próprios problemas é explicitado mais adiante:

“O modo pelo qual os contos de fada resolvem esses conflitos é oferecendo às crianças um palco onde elas podem representar seus conflitos interiores. As crianças, quando ouvem um conto de fada, projetam inconscientemente partes delas mesmas em vários personagens da história, usando-os como repositórios psicológicos para elementos contraditórios do eu”.

Já os jungianos, vêem nas personagens dos contos "figuras arquetípicas", que, segundo Franz, "à primeira vista, não têm nada a ver com os seres comuns ou com os caracteres descritos pela Psicologia".

·         A jornada interior

Pelo seu núcleo problemático ser existencial, os contos de fadas podem também ser encarados como "uma jornada em quatro etapas, sendo cada etapa da jornada uma estação no caminho da autodescoberta":
1.       TRAVESSIA: "leva o herói ou heroína a uma terra diferente, marcada por acontecimentos mágicos e criaturas estranhas".
2.     ENCONTRO: "com uma presença diabólica –uma madrasta malévola, um ogro assassino, um mago ameaçador ou outra figura com características de feiticeiro".
3.     CONQUISTA: "o herói ou heroína mergulha numa luta de vida ou morte com a bruxa, que leva inevitavelmente à morte desta última".
4.     CELEBRAÇÃO: "um casamento de gala ou uma reunião de família, em que a vitória sobre a bruxa é enaltecida e todos vivem felizes para sempre".

·         A evolução dos contos de fadas

Diferentemente do que se poderia pensar, os contos de fadas não foram escritos para crianças, muito menos para transmitir ensinamentos morais (ao contrário das fábulas de Esopo). Em sua forma original, os textos traziam doses fortes de adultério, incesto, canibalismo e mortes hediondas. Segundo registra Cashdan:

“Originalmente concebidos como entretenimento para adultos, os contos de fadas eram contados em reuniões sociais, nas salas de fiar, nos campos e em outros ambientes onde os adultos se reuniam - não nas creches.”

Mais adiante, Cashdan exemplifica:

É por isso que muitos dos primeiros contos de fada incluíam exibicionismo, estupro e voyeurismo. Em uma das versões de Chapeuzinho Vermelho, a heroína faz um striptease para o lobo, antes de pular na cama com ele. Numa das primeiras interpretações de A bela adormecida, o príncipe abusa da princesa em seu sono e depois parte, deixando-a grávida. E no conto A Princesa que não conseguia rir, a heroína é condenada a uma vida de solidão porque, inadvertidamente, viu determinadas partes do corpo de uma bruxa.”

Ainda conforme Cashdan, "alguns folcloristas acreditam que os contos de fada transmitem 'lições' sobre comportamento correto e, assim, ensinam aos jovens como ter sucesso na vida, por meio de conselhos. (…) A crença de que os contos de fada contêm lições pode ser, em parte, creditada a Perrault, cujas histórias vem acompanhadas de divertidas 'morais', muitas das quais inclusive rimadas". E ele conclui: "os contos de fada possuem muitos atrativos, mas transmitir lições não é um deles".

·         Romances preciosos

De fins do século XVII até pouco antes da Revolução Francesa no século XVIII, a decadência do racionalismo clássico deu margem ao surgimento de uma literatura "extra-oficial" que celebrava a "exaltação da fantasia, do imaginário, do sonho, do inverossímil". Em sua produção e divulgação destacou-se o papel das preciosas, mulheres cultas que reuniam em seus "salões" a elite intelectual da época, muitas vezes para apreciar exclusivas dramatizações de contos de fadas.
Uma das preciosas mais conhecidas, tanto por sua produção literária quanto por sua vida escandalosa, foi a jovem baronesa Madame D'Aulnoy, que em 1690 publicou o "romance precioso" História de Hipólito, onde há um episódio, a "História de Mira", protagonizado por uma fada. Mira transformou-se num sucesso e lançou moda na corte francesa, fazendo com que Mme. D'Aulnoy escrevesse mais oito romances feéricos entre 1696 e 1698, dentre os quais se destacam Contos de Fadas, Novos Contos de Fadas e Ilustres Fadas. Nas páginas destas obras surgem contos como "O pássaro azul", "A princesa de cabelos de ouro", "O ramo de ouro”, posteriormente reaproveitado como literatura infantil.
O ambiente propício criado pelos romances preciosos possibilitou a acolhida de As mil e uma noites no início do século XVIII, e perdurou até fins do século, quando, entre 1785 e 1789 foi publicada a série "Gabinete de Fadas - Coleção Escolhida de Contos de Fadas e Outros Contos Maravilhosos". Seus 41 volumes, escritos por vários autores, marcam o fim deste tipo de produção literária voltado exclusivamente para o público adulto.

·         Contos de fadas para crianças

 

As versões infantis de contos de fadas hoje consideradas clássicas, devidamente expurgadas e suavizadas, teriam nascido quase por acaso na França do século XVII, na corte de Luís XIV, pelas mãos de Charles Perrault. Para Sheldon Cashdan, em referência aos países de língua inglesa, a transformação dos contos de fadas em literatura infantil (ou sua popularização) só teria mesmo ocorrido no século XIX, em função da atividade de vendedores ambulantes ("mascates") que viajavam de um povoado para o outro "vendendo artigos domésticos, partituras e pequenos volumes baratos chamados de chapbooks". Estes chapbooks (ou cheap books, "livros baratos" em inglês), eram vendidos por poucos centavos e continham histórias simplificadas do folclore e contos de fadas expurgados das passagens mais fortes, o que lhes facultava o acesso a um público mais amplo e menos sofisticado.

Ø      Perrault e a Mãe Gansa

 

 

Em 1697, Perrault publicou Contes de ma Mère l'Oye ("Contos da minha Mãe Gansa"), uma coletânea de narrativas populares folclóricas e que, num primeiro momento, não se destinavam a crianças, mas a embasar a defesa da literatura francesa (considerada inferior aos clássicos greco-romanos por acadêmicos da época) e da causa feminista, que possuía como uma de suas líderes a sobrinha de Perrault, Mlle. Héritier. As duas primeiras adaptações ("A paciência de Grisélidis", de 1691 e "Os desejos ridículos", de 1694) reforçam esta tese. Apenas em 1696, com a adaptação de "A Pele de Asno" é que Perrault manifesta a intenção de escrever para crianças, principalmente meninas, orientando sua formação moral.
A Mère l'Oye era uma figura familiar dos velhos contos folclóricos franceses, sempre cercada pelos filhotes que ouviam suas histórias fascinados. Todavia, pelo hábito das mulheres contarem histórias enquanto teciam durante os dias longos de inverno, a capa do livro foi ilustrado com a vinheta de uma velha fiandeira, não de uma gansa. A Mère l'Oye passou então a ser associada com a figura da fiandeira, que ganhou nomes locais nos vários países onde os contos foram traduzidos ("Carochinha", por exemplo).

 

Ø     Os Irmãos Grimm e o Espírito Teutônico

 

Depois de atravessar uma fase de desinteresse por parte do público adulto após a Revolução Francesa, os contos de fadas despertaram novamente a atenção dos pesquisadores no início do século XIX, graças aos estudos de Gramática Comparada que, tomando o sânscrito por base, buscavam descobrir a evolução das diversas línguas e dialetos, e assim, determinar a identidade nacional de cada povo.
Tendo isto em mente, mais de 100 anos após Perrault ter publicado as histórias da Mãe Gansa, os folcloristas Jacob e Wilhelm Grimm, integrantes do Círculo Intelectual de Heidelberg, efetuaram um trabalho de coleta de antigas narrativas populares com o qual esperavam caracterizar o que havia de mais típico no espírito do povo alemão (mesmo que muitas destas narrativas originalmente nada tivessem de germânicas). Como principais fontes da tradição oral, os Grimm se valeram da prodigiosa memória da camponesa Katherina Wieckmann e de uma amiga da família, Jeannette Hassenpflug, de ascendência francesa.
Como resultado de sua pesquisa, entre 1812 e 1822, os irmãos Grimm publicaram uma coletânea de 100 contos denominada Kinder und Hausmaerchen ("Contos de fadas para crianças e adultos"). As inúmeras semelhanças de episódios e personagens com aqueles das histórias de Perrault evidenciam que mais do que um fundo comum de fontes folclóricas, os Grimm podem ter simplesmente lançado mão de adaptações das histórias recolhidas pelo estudioso francês.

Ø     Andersen: o "Pai" da Literatura Infantil

 

 

Já imbuído do forte (e melancólico) espírito do Romantismo, o poeta e novelista dinamarquês Hans Christian Andersen escreveu cerca de duzentos contos infantis, parte retirados da cultura popular, parte de sua própria lavra. Publicados com o título geral de Eventyr ("Contos"), entre 1835 e 1872, eles consagraram Andersen como o verdadeiro criador da literatura infantil.

Ø     Carroll e Collodi: o "fantástico absurdo"


 

Na segunda metade do século XIX, os contos de fadas começam novo ciclo de decadência. Em lugar do sobrenatural, o nonsense de base racionalista. O principal representante desta nova escola é Lewis Carroll, a partir do livro "Alice no País das Maravilhas", de 1865. Outro que obteve êxito em fundir o maravilhoso com o racionalismo foi o italiano Carlo Collodi, que em 1883 publicou "Pinóquio", um dos maiores sucessos da literatura infantil mundial. É ali que surge não somente o boneco cujo sonho era se transformar em gente, mas a Fada Azul, uma benfeitora mágica capaz de transformar sonhos em realidade.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Contos_de_fadas